
A audiência prévia na Constituição da República Portuguesa e no Código do Procedimento Administrativo
O direito de audiência prévia decorre do Princípio da Participação, constante no nº 5 do Artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual estabelece que:
«O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes dizem respeito»
O Princípio da Participação dos cidadãos enforma o Código do Procedimento Administrativo (CPA), estando consagrado nos seus Princípios Gerais (artigo 8.º - Princípio da participação, Capítulo I, Parte I) e aponta, desde logo, para a possibilidade de realização de uma audiência dos interessados.
A realização da audiência prévia, designada por audiência dos interessados a nível do procedimento administrativo, é garantida pelos artigos 100.º a 105.º do CPA (Capítulo IV, Parte III), sendo os interessados os destinatários dos efeitos da decisão do procedimento.
O direito de audiência dos interessados assegura a protecção dos direitos e interesses dos cidadãos face à Administração Pública, tendo sido reforçado na revisão do CPA em 1996, através da alteração do artigo 100.º (alteração do ponto 1 e introdução do ponto 3), tornando obrigatória a informação sobre o sentido provável da decisão e a suspensão dos prazos em todos os procedimentos administrativos, durante o tempo em que esta se realiza.

Por outro lado, ao permitir a recolha de informação junto daqueles que mais próximos se encontram dos factos, a realização da audiência dos interessados conduz a uma maior adequação e eficácia na aplicação dos procedimentos praticados pela Administração Pública.
No âmbito do CPA convém, contudo, destrinçar o significado dos artigos 100.º a 105.º e o do seu artigo 59.º com a mesma designação – Audiência dos interessados (Capítulo I, Parte III). Segundo este último, a Administração pode notificar os interessados em qualquer fase do procedimento para se «pronunciarem acerca de qualquer questão». Ora, não sendo obrigatória a realização da audiência dos interessados nesta fase, deixa de se concretizar o direito à audiência, sendo apenas uma faculdade da Administração, não se garantindo o direito ao contraditório por parte do interessado, mas sim o direito ao inquisitório por parte da Administração.
Os artigos 100.º a 105.º do Código do Procedimento Administrativo

O artigo 100.º define o direito de audiência dos interessados, pelo que tem merecido a reflexão e a elaboração de pareceres e acórdãos de muitos juristas, designadamente sobre o momento de aplicação – prévia à decisão final - e as formas de concretização:
«A audiência dos interessados inicia uma fase do procedimento (...) quando o instrutor entenda que estão reunidos os elementos necessários para ponderar qual o sentido da decisão. (...) O direito de ser ouvido deve pressupor, assim, a concretização de várias possibilidades, como sejam, por exemplo, a oportunidade do interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o acto final, direito a oferecer e a produzir prova, direito que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida, e que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final, o direito a controlar a produção de prova» (nº 1 do artigo 100.º).
No exercício do direito a ser ouvido, através de uma audiência escrita ou oral (nº 2 do artigo 100.º), o interessado pode pronunciar-se sobre questões que constituem objecto do procedimento, podendo requerer inclusivamente diligências complementares e juntar documentos (nºs 1 e 3 do artigo 101.º e artigo 102.º).
Na notificação para a audiência escrita deve dar-se a conhecer aos interessados o que se considera essencial para a decisão, bem como, o local e hora em que o processo pode ser consultado (nº 2 do artigo 101.º).
Na audiência oral os interessados devem poder apreciar «todas as questões com interesse para a decisão» (nº2 do artigo 102.º), pelo que no momento da convocatória devem ser fornecidos os elementos necessários para tal, à semelhança do que é exigido para a notificação, apesar desta orientação ser omissa no CPA (nº 1 do artigo 102.º).
A falta de comparência dos interessados não constitui motivo de adiamento da audiência, salvo apresentação de justificação devidamente fundamentada antes da realização da mesma (nº 3 do artigo 102.º).

Da audiência oral tem de ser lavrada uma acta da qual conste um resumo das alegações dos interessados, podendo estes juntar alegações escritas, durante a diligência ou posteriormente (nº 4 do artigo 102.º), cabendo ao órgão instrutor o juízo sobre a utilidade destas diligências complementares.
O direito de audiência dos interessados não é encarado como princípio ou direito absoluto no CPA, visto que são previstas situações em que a entidade instrutora poderá prescindir da sua realização, nomeadamente quando a decisão seja urgente, se preveja que a realização da audiência possa comprometer a execução ou utilidade da decisão, se o número de interessados for muito elevado, ou se considere que os interessados já se pronunciaram sobre as questões fundamentais para a decisão, ou que esta lhes seja favorável (alíneas a), b) e c) do nº1 e alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 103.º). No entanto, sempre que a Administração entenda não realizar a audiência prévia tem de a fundamentar cabalmente.

O relatório final do instrutor, com a proposta fundamentada da decisão, só é realizado após a conclusão da audiência prévia e das diligências complementares que porventura tenham existido (artigo 105.º)
A não realização da audiência dos interessados no procedimento administrativo, fora dos casos previstos no artigo 103.º, torna-os anuláveis por vício de forma, (artigo 135.º e seguintes do CPA), desde que se invoque a sua anulabilidade dentro dos prazos legais considerados para o efeito (artigos 136.º e 141.º).
Alguns juristas defendem que a falta de audiência prévia dos interessados, deveria implicar por si só a sua nulidade (artigos 133.º e 134.º), ou seja, nos casos de processos disciplinares e demais procedimentos sancionatórios não deveria subordinar-se a prazos legais para ser invocada (artigo 134.º, nº 1 e nº 2).
Subjacentes às duas considerações acima mencionadas, encontram-se diferentes concepções da natureza jurídica do direito de audiência prévia: o princípio estruturante do CPA, no caso da primeira e o direito fundamental decorrente do Princípio da Participação consagrado na CRP, em que se baseia a segunda. De acordo com a primeira das interpretações, a preterição do direito de audiência dos interessados implica a anulabilidade do acto praticado, enquanto que a segunda interpretação leva à nulidade do acto.
As disposições legais contidas nos artigos 100.º a 105.º do CPA, são vertidas para os mais variados diplomas legais e regulamentos, relativos ao funcionamento das organizações abrangidas pelo CPA, entre elas a escola, onde se deve fazer eco destes princípios, contextualizando-os e assegurando a sua efectiva aplicação.
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